“As cidades, historicamente, utilizaram a experiência do homem como referência para ser projetada e construída. Por conseguinte, elas funcionam melhor para homens do que para mulheres, crianças, idosos, os mais diferentes níveis de habilidade e também identidade de gênero”.
Com essa argumentação, a urbanista internacional May East deu início à sua palestra no evento com o tema “E se as mulheres projetassem a cidade?” – realizado pela AsBEA-SC no dia 18 de março, em Florianópolis, marcando a abertura da nova gestão da entidade.
O tema é o título do livro que May East lançou no ano passado, pela Bambual Editora, produzido a partir da sua tese de doutorado em Arquitetura e Planejamento Urbano pela Universidade de Dundee, Escócia. No livro, ela explora as relações entre as mulheres e as cidades na criação de bairros regenerativos lançando uma nova perspectiva sobre o desenvolvimento urbano. A base é uma série de documentos que reafirmam o quanto historicamente as cidades vêm sendo planejadas e construídas tomando, principalmente, a experiência masculina como referência.
No evento, May destacou que há um interesse crescente das pessoas num mosaico de políticas de intervenções sensíveis ao gênero, citando exemplos de cidades como Viena, na Áustria, que tem 30 anos de urbanismo sensível de gênero, além de Lyon, na França, Barcelona, na Espanha, e Umeå, na Suécia. “São várias as cidades que, aos pouquinhos, com a sua própria identidade e singularidade, começam a avançar a agenda da forma com que eles acham mais importante para o contexto da sua municipalidade, como orçamento sensível ao gênero. Há a transformação de zonas de ansiedade para zonas de conforto, a questão de design contra o crime, espaços sociais para meninas, fusão de creches e residências de idosos e também basicamente uma grande discussão nas cidades, especialmente da Europa e da Austrália. sobre um urbanismo de proximidade”, destacou, referindo-se ao conceito de “bairro de 20 minutos”, onde é possível ter tudo o que se precisa a curtas distâncias a pé.
May East
Por cidades mais inclusivas
Esses são alguns dos 33 pontos de alavancagem identificados por May nas entrevistas feitas durante caminhadas com 274 mulheres nas pesquisas para a sua tese. São pontos que indicam como urbanistas, gestores públicos e comunidades podem intervir nos sistemas de planejamento urbano, para que as cidades do presente e do futuro possam ser mais inclusivas e habitáveis. Alguns outros pontos identificados – e explicados no seu livro – são cultivar a biofilia, desenvolver espaços para encontros e pertencimento, projetar playgrounds aventureiros para crianças e cuidadores, aprimorar a vigilância natural por meio do design, incentivar o transporte ativo como modo de vida, expandir o uso do espaço público à noite e praticar uma cultura de escuta profunda. Durante o evento, May distribuiu cards de cada ponto de alavancagem e convidou os participantes a discutirem entre si, refletindo sobre o potencial de cada um deles. “Quando as mulheres ganham mais espaço no planejamento urbano, não significa que os homens vão perder. Nós aqui estamos falando de mulheres trabalhando junto aos homens para redistribuição do poder, para equilibrar a representação e juntos e juntas transformarem os sistemas de planejamento urbano”, enfatizou May East.
Em sua palestra, destacou a importância de três conscientizações. A primeira, sobre os cenários do futuro, apontando as diversas projeções relacionadas às emissões de carbono e suas consequências. “Sabemos que o futuro da humanidade e da biosfera será decidido nas cidades. (…) A transição vai ocorrer. Ou nós vamos desenhá-la ou vamos ser vítimas dela. E nós aqui estamos no piso de desenhar a transição”, pontuou. A segunda conscientização diz respeito à jornada dessa transição. “Nós sabemos que sustentabilidade não é o suficiente. Como é que nós podemos sustentar algo que nós já perdemos? Aqui, nós temos que adotar uma perspectiva de regeneração”, enfatiza, complementando sobre a importância de que as decisões de design estejam baseadas sobre trazer mais vitalidade ao longo do tempo para os sistemas projetados. “Quando a gente começa a trabalhar regenerativamente, começamos a trabalhar com ‘lifelines’, não mais ‘deadlines’. E é por aí que a direção da nossa jornada”, frisa.
Por fim, a terceira conscientização diz respeito à mentalidade, considerando o fato de que a geração atual enfrenta uma “convergência de múltiplas crises” que não permite a resolução de um problema de cada vez. “Ao invés disso, assumimos a noção de potencial. (…) Existe sempre mais potencial num território, numa cidade, num bairro do que já foi realizado. O potencial está sempre enraizado na singularidade biocultural e espacial do local”, disse. E ressaltou a importância de trabalhar sob o prisma do “what’s strong, not what’s wrong”, ou seja, focar no que é forte e não no que está errado. “Nosso desenho degenerativo não é para solucionar problemas. É para observar e criar as condições para que o potencial possa emergir nesse potencial que existe no protagonismo da mulher”, reforçou May East.
33 pontos de alavancagem identificados por May
SOBRE MAY EAST
May East nasceu em São Paulo e hoje vive entre Florianópolis e Edimburgo, capital da Escócia. Ela é uma urbanista internacional e designer regenerativa, atuando para a vitalidade e viabilidade de ecocomunidades, cidades mineradoras, assentamentos informais, aldeias tradicionais, cidades em transição e cidades fantasmas.
May possui Mestrado em Planejamento Espacial com especialização na reabilitação de povoados e cidade abandonadas, e Doutorado em Arquitetura e Planejamento Urbano pela Universidade de Dundee, Escócia, com a tese intitulada E se as Mulheres Projetassem a Cidade?.
Associada há duas décadas à UNITAR – Instituto das Nações Unidas para Treinamento e Pesquisa – May é Membro Consultivo da Divisão de Pessoas e Inclusão Social. Ela é especialista em promover a integração vertical entre soluções comunitárias para a resiliência climática. Atualmente, ela trabalha com governos locais e regionais, setor privado e agências intergovernamentais na elaboração de políticas e intervenções promovendo igualdade de gênero no planejamento urbano e a redução das emissões de carbono, entre outras pautas.
May East foi designada como uma das 100 Líderes Globais em Sustentabilidade por três anos consecutivos (2011, 2012 e 2013) na lista concebida e produzida por Ken Hickson, presidente/CEO da Sustain Ability Showcase Asia e ABC Carbon, e Mulher da Década em Sustentabilidade e Liderança pelo Women Economic Forum 2019.
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